“Foi com a minha avó, tua bisavó Francisca, que me habituei a ver e aprendi a fazer as papas de milho que vocês agora por brincadeira querem. O milho que o teu avô semeava, ou que ia comprar quando não havia, era lavado e posto a enxugar ao sol em cima de uma esteira feita de empreita. Esta empreita era feita com aquela palma que íamos apanhar ali ao mato e com a qual eu te fiz aquela alcofa que tens no carro. À noite, naquelas noites quentes de Verão, juntávamo-nos na rua, ao pé do limoeiro, debaixo da oliveira onde tu subias até ao bico e em cima do poial quente onde o macho deixava os caroços das alfarrobas, fazendo os nossos trabalhos: Tamiça, empreita, capachos, albardas, ceirões e alcofas de palma. Muitas das vezes calhou-me a mim moer o milho naquela mó que está ali por detrás da porta. Grão a grão ia deitando as futuras papas para dentro do olho da mó e rodando, rodando, ora com uma mão ora com outra para não me cansar muito. É por isso que aquele cabo que vês ali em cima, encaixado na pedra se lhe chamava o cabo das duas mãos. As papas de milho naquele tempo não eram como estas de agora. Agora são umas papas “finas”, pois põem-lhe tudo e mais alguma coisa e comem-se de faca e garfo. Levavam somente umas talhadinhas de toucinho frito, umas rodelinhas de chouriça preta, por vezes umas sardinhas que não dava uma para cada pessoa e na maior parte das vezes não havia nada, nada mesmo, para lhe pôr. Eram feitas mais ou menos da seguinte maneira: Colocavam-se num tacho de arame em cima da trempe e ao fogo de lenha que não havia outro. Uma certa quantidade de água, duas ou três colheres das de sopa com azeite, um dente de alho e uma colher das de sopa com sal. Quando a água começava a estar morna misturava-se a farinha de milho e íamos mexendo, mexendo, durante um bom bocado.
Finalmente a farinha de milho ficava cozida e pronta a ser comida por quantos estivessem na casa. O tacho era colocado naquela banca pequena que ficou para a tua prima Isabel e todos sentados à volta íamos tirando. Não tínhamos pratos…
Éramos todos saudáveis e fortes. Sabíamos sempre o que era o almoço e o jantar. Nunca dizíamos que não gostávamos nem que não queríamos mais. Éramos todos tão felizes…”
Vítor Barros
Créditos Imagem: Região de Turismo do Algarve