Vanessa Terra: o papel da mulher na Ciência
“Ciência é uma carreira puxada porque lidamos com falhanço todos os dias! (…) mas as mulheres são extremamente fortes e têm uma capacidade de encaixe que mais ninguém tem!”
Vanessa Terra, 40 anos, casada, mãe de duas meninas, cientista, na área do desenvolvimento de novas vacinas, veio viver para São Brás quando tinha apenas 9 anos, relembra os tempos no colégio da D. Bernadette, fez parte das primeiras turmas da Escola EB 2.3 Poeta Bernardo Passos e fez ainda o secundário em São Brás.
Mais tarde, entrou para Bioquímica na Universidade de Faro, tendo emigrado para Inglaterra para fazer o Doutoramento na Universidade de Leicester, uma verdadeira aventura para quem nunca tinha saído de casa!
Atualmente, integra um projeto na London School of Hygiene and Tropical Medicine, a melhor escola de saúde publica na Europa e segunda melhor no Mundo em conjunto com um grupo fantástico de “glycoengineers” que tem como objetivo final criar uma vacina contra Streptococcus pneumoniae, serotipo 1.
ENTREVISTA
– Passou a juventude em São Brás de Alportel. Que tempos recorda?
Recordo-me muito dos desportos que pratiquei, fiz parte da equipa fundadora do Basquetebol feminino na UDRS, pratiquei Kempo muitos anos, a nível cultural, lembro-me de dançar no Rancho Etnográfico.
Lembro-me que quando andava na Escola Secundária, andava sempre a correr, entre os treinos de Basquetebol, o Kempo e o Rancho nunca parava e ainda ajudava os meus pais ao fim de semana no mercado!
Tive uma infância e adolescência muito livre. Andava muito de bicicleta e passava muito tempo com as minhas amigas.
– Foi na juventude que surgiu o interesse pela Ciência?
Eu sempre gostei de ciência, pela lógica que a rege, mas não estava nada decidido. Lembro-me de chegar ao 9º ano e ter 5 a tudo e ter as professoras de Inglês, português e francês a dizer que devia seguir línguas.
Mas eu continuava indecisa, foi a minha mãe que me ajudou a decidir, disse-me estas sábias palavras que penderam a balança para o lado certo “olha que se escolheres línguas vais ter que ler aqueles calhamaços todos e tu és preguiçosa…” foi logo ali que decidi! E a dizer a verdade nunca me arrependi um minuto!
Sempre gostei de ciência porque explica o que acontece à nossa volta e a mim faz me falta perceber tudo. Faz parte da minha personalidade entender tudo até ao mais ínfimo detalhe!
– Atualmente, que projeto integra? E onde?
Como disse anteriormente vim para Inglaterra em 2007, às vezes ainda me parece mentira, mas não vim logo para Londres. Passei 3 anos e pouco em Leicester, onde conhecei o meu marido e depois mudei me para Londres em 2010. E já cá estou na mesma Universidade há quase 12 anos! Atualmente integro um projeto que tem como objetivo final criar uma vacina contra Streptococcus pneumoniae, serotipo 1, uma bactéria que, apesar da existência de vacinas contra Streptococcus continua a matar mais de 500,000 crianças anualmente. Um dos serotipos cobertos pela vacina parece que consegue escapar (principalmente em África) e não sabemos bem porquê. É preciso acabar com este flagelo e é nisso que trabalho. Mas não o faço sozinha, claro que não! Trabalho na London School of Hygiene and Tropical Medicine, a melhor escola de saúde publica na Europa e segunda melhor no Mundo e em conjunto com um grupo fantástico de “glycoengineers”.
– Já sentiu alguma barreira na sua carreira por ser mulher?
Cá em Inglaterra é um bocadinho melhor do que em alguns países, mas há sempre coisas que nos chateiam, por exemplo, quando regressei da primeira licença de maternidade senti que de repente todos achavam que tinha ficado menos inteligente e houve uma necessidade de provar o meu valor outra vez! Que foi uma coisa que não gostei nadinha!
Ciência é uma carreira puxada porque lidamos com falhanço todos os dias! Ou seja, nós andamos todos os dias a correr atras de um resultado que em geral nos leva anos a atingir! Temos pequenas vitórias mais regularmente, mas aquela recompensa grande é uma vez de vez em quando! Há quem diga que a mulher tem mais dificuldade em lidar com isso, mas é falso! Mulheres são extremamente fortes e têm uma capacidade de encaixe que mais ninguém tem! Para mostrar às miúdas que podem ser cientistas, engenheiras ou matemáticas eu faço voluntariado como Embaixadora STEM, vou às escolas e faço atividades com os miúdos todos! É muito giro e os miúdos adoram!
Recentemente fui à escola da minha filha e construímos um “monstro escova” usando uma escova e eletricidade! Acredito que temos que inspirar as camadas mais jovens para que no futuro não haja carreiras de homem e carreiras de mulher! Que ninguém ache estranho que uma mulher seja engenheira civil ou um homem professor numa creche!
– Considera que a ciência é um campo mais acolhedor para os homens?
Claro! Os homens não têm paragens na carreira para ter bebés e não são os primeiros a sair porque os filhos estão com febre ou porque a escola ou a creche telefonou! As mulheres têm que ser excelentes em casa, no trabalho, em todo o lado. Não é à toa que a maioria dos líderes de grupo são homens e brancos…a vida ainda é muito mais difícil para mulheres de cor! É comum que as mulheres ponham os filhos em primeiro lugar e acabem por não chegar à posição que ambicionam profissionalmente. Mas se forem todas como eu não se arrependem nem um minuto de pôr os filhos em primeiro lugar!
– Em tempos pandémicos e sendo da área da ciência que balanço faz dos últimos anos de covid-19 no mundo?
Os últimos 2 anos têm sido incrivelmente duros para todos. Há muito que se anunciava uma pandemia e acho que deveríamos ter estado muito melhor preparados, mas no fim fez-se tudo o que se conseguia num espaço de tempo muito curto! Acho que a comunidade científica do Mundo está de parabéns! Fizeram-se milagres e em dois anos de pandemia já temos vacinas e medicamentos para lidar com isto! Também fiquei deveras impressionada com Portugal e com a adesão a vacina! Parabéns!
A nível pessoal custou-me imenso estar longe da minha família, tive receio por eles! Mas agora está tudo a entrar nos eixos e já nos vemos outra vez com muito mais frequência!
Espero ir a S. Brás no Verão e aproveitar para estar com a minha família, mas também para rever os amigos que ainda tenho por aí!
Créditos Imagem: Andreas Ioannis Karsisiotis