“Pode parecer estranho, mas o que sinto mais falta é de o ouvir na sua rotina, o barulho familiar de ouvir os passos dele (…) é isso que me deixa mais saudades.”
Carlos Rosa, conhecido popularmente por “Carlos Cristo”, dedicou grande parte da sua vida à Agência Funerária Rosa e Rosa, trabalhou primeiramente na Fábrica do Sr. António Augusto, mais tarde ingressou nos anos 60 no Ultramar, ao voltar, vai trabalhar para a agência que mais tarde vinha a comprar.
Filho de um acérrimo comunista, Cristo é um apelido familiar de um episódio político entre o seu pai e Salazar, dando origem a esta alcunha.
Em homenagem ao homem que foi em São Brás e o seu papel ativo na vida da vila, realizámos esta entrevista com a filha Elisabete Rosa.
ENTREVISTA
– Como é que descrevias o teu pai em poucas palavras?
O meu pai era amigo do seu amigo, prestável, disposto a ajudar e a desenrascar quem viesse ter com ele, mas claro, também tinha os seus dias menos bons, como todos nós.
-Como é que passava os seus tempos livres?
Muitos sabem que o tempo livre dele era passado na agência, tirando isso, foi Bombeiro Voluntário nos Bombeiros de São Brás, costumava caçar e foi ainda um dos fundadores do nosso antigo de CB de São Brás de Alportel (cidade da rolha).
Este era um grupo de citizem band que dispunha de várias frequências e era uma forma amadora de fazer rádio e de comunicar.
– Antes de entrar para a agência Funerária que outros trabalhos teve?
Quando veio do Ultramar fez vários tipos de serviços entre eles, endireitava os arcos dos fardos de palha, fazia anilhas, era revendedor de carpetes e tapetes.
Mais tarde, foi trabalhar na fábrica de Cortiça do Sr. António Augusto, mas já na altura, o meu avô fazia urnas para a antiga agência (Sra. Benvinda) e quando precisavam de motorista para os funerais era o meu pai que ia.
Ao fim de um certo tempo deixou a fábrica e ficou permanentemente na agência que por fim veio a comprar o negócio que seria a vida dele até ao fim.
– Como foi a ida para o Ultramar?
Trabalhava na fábrica quando foi chamado para o Ultramar. Esteve em Moçambique (Nangade e Balama) como primeiro cabo, na companhia de caçadores, nº 1478, entre outubro de 1965 e 1967.
Só depois de estar divorciado, no ano de 1967, não sei precisar em que altura, começou a corresponder-se com a minha mãe, que na altura era uma das chamadas madrinha de guerra *.
– Como é que ele recordava os tempos na guerra?
Não falava muito desse tempo, de vez em quando lá contava uma história divertida, outra triste. Fez algumas amizades que manteve ao longo dos anos e tentava sempre comparecer ao almoço e convívio anual da companhia.
– De onde vem a alcunha “Cristo”?
Os meus avós paternos eram de Lisboa, o meu avô era comunista e por isso foi preso diversas vezes, numa delas, juntamente com o Mário Soares.
O episódio que remota a esta alcunha, foi quando o meu avô estava na cela e o Salazar foi fazer uma visita aos presos, o meu avô no meio dos presos, começou a chamar-lhe um nome desagradável, e o Salazar protestou sobre quem lhe estava a chamar nomes.
O meu avô respondeu que tinha sido ele a dizer e o Salazar disse-lhe “(…) por isso, vais sofrer o resto da tua vida, como Cristo sofreu na cruz”.
Os colegas de cela e os guardas começaram a chamar-lhe Cristo e foi ficando na família, passando depois para o meu pai também.
A garrafa foi feita na altura em que o meu avô estava na cadeia e não sei precisar bem, mas tem mais de 70 anos.
-Dedicou a sua vida ao negócio da agência funerária. Que viria a tornar-se um negócio familiar. Como é para ti agora estar à frente da agência?
Sinto que lhe estou a fazer uma homenagem. Cresci aqui, tinha meses quando ele comprou a agência, nunca me fez confusão, mas também nunca liguei muito.
Quando ele adoeceu, pusemos a agência à venda, teve várias ofertas, mas dizia sempre que ia pensar. Nós sabíamos que ele não se queria desfazer da agência, vivia para isto, era a vida dele.
Na altura, eu já estava a pensar sair do outro trabalho onde estava, fiquei uns meses com ele para aprender melhor até ao seu falecimento.
Não é novidade que ainda pensámos em fechar ou pôr a agência novamente à venda.
Muitos amigos nos disseram para não o fazer e eu pensei, a casa é nossa, os carros são nossos, tenho material, porque não? E cá estou.
Aproveito para agradecer a todos os que me apoiaram, todos os que me procuraram e procuram para lhes prestar os nossos serviços.
– O que deixa mais saudades do teu pai?
Pode parecer estranho, mas o que sinto mais falta é de o ouvir na sua rotina, de o ter por perto, em casa. Entre outras coisas, mas é isso que me deixa mais saudades, o barulho familiar de ouvir os passos dele, de ouvir a água a correr na casa de banho, o barulho da loiça enquanto fazia a comida e o pequeno almoço ou o barulho do carro a sair.
*Madrinhas de guerra
Madrinha de guerra refere-se a mulheres ou meninas que se correspondiam por correio com soldados em campanha, de modo a apoiá-los moralmente, psicologicamente ou até mesmo emocionalmente.
A madrinha de guerra escrevia cartas para o seu soldado, mas poderia também enviar pacotes, presentes e fotografias.