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11 Março, 2025 | Opinião

Diogo Duarte

Diogo Duarte - Opinião

Unidade de Saúde Familiar: estamos a progredir ou a recuperar do atraso?

A notícia do lançamento da primeira pedra da nova Unidade de Saúde Familiar em São Brás de Alportel foi recebida com entusiasmo. E compreende-se: qualquer investimento na saúde pública merece ser saudado. Melhor acesso a consultas e serviços médicos é sempre um avanço, sobretudo numa região onde a escassez de resposta na área da saúde se arrasta há anos. A criação de uma unidade de proximidade é, sem dúvida, um sinal positivo para os munícipes.

Mas se celebramos o progresso, devemos também ter memória. E a memória lembra-nos que, antes da crise da “troika”, São Brás de Alportel já dispunha de serviços médicos que respondiam às necessidades da população. Esses serviços foram desmantelados no contexto das políticas de austeridade. Hoje, mais de uma década depois, aquilo que nos é apresentado como um avanço não é mais do que a recuperação de algo que foi retirado. Chamemos-lhe o que realmente é: uma restituição, e não uma conquista inédita.

Corrigir erros do passado é importante, mas a forma como se comunica essa correção também importa. Não estamos a dar um passo em frente — estamos a recuperar um conjunto de serviços que nunca deveriam ter sido retirados. E esse pormenor faz toda a diferença.

O “timing” político não é inocente

Na política, o momento em que se anunciam projetos é tudo menos aleatório. E este não foge à regra. Com as eleições autárquicas à porta, o lançamento desta unidade de saúde não é apenas uma resposta a uma necessidade real — é também uma peça estratégica num tabuleiro político.

É legítimo perguntar: se este projeto era uma prioridade, porque não avançou mais cedo? Bem sei que podemos arguir que só este ano se conseguiu alcançar o maior orçamento municipal de sempre, e que o contexto potenciado pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) assim o permite. Porém, foi realmente necessário esperar pelo último ano do ciclo eleitoral para que a promessa do programa autárquico de 2021 começasse a sair do papel?

O debate não é sobre a necessidade da nova Unidade de Saúde Familiar — essa é indiscutível. O verdadeiro debate reside na forma como as decisões políticas continuam a ser guiadas pelo calendário eleitoral, em vez de responderem, com urgência e coerência, às necessidades da população. Em política, nada acontece por acaso, e este projeto surge no momento certo para servir dois propósitos: um, essencial para os cidadãos; outro, estratégico para quem está no executivo. Não sejamos ingénuos — esta é uma moeda de troca. Um investimento desta magnitude não acontece isoladamente, mas no contexto de um ciclo político que se aproxima do seu desfecho. E, neste tabuleiro, cada peça conta.

O Partido Socialista enfrenta uma fase de transição complexa, e, como qualquer transição, esta abre oportunidades aos seus adversários políticos. O lançamento desta unidade de saúde surge, assim, não apenas como um projeto necessário, mas como um trunfo eleitoral. E aqui reside o problema: quando a saúde se torna uma ferramenta na disputa política, algo se perde. Independentemente das nossas simpatias partidárias, é preocupante que a qualidade de vida dos cidadãos possa depender das conveniências do momento político. Melhor seria que o mérito e a eficácia do serviço prestado falassem por si, e que fosse essa a única influência a refletir-se nas cruzes que entram nas urnas.

Infraestruturas não salvam vidas — serviços, sim

Há outro ponto essencial: edifícios novos não significam, por si só, melhores cuidados de saúde. Podemos erguer a mais moderna das infraestruturas, mas se não houver médicos, enfermeiros e equipamentos suficientes, pouco ou nada mudará para os utentes. E Portugal tem inúmeros exemplos de infraestruturas que depois de inauguradas não estão ao nível das suas potencialidades.

Será esta nova unidade capaz de funcionar plenamente? Ou será mais um espaço subaproveitado, sem capacidade para dar resposta às necessidades da população? As perguntas certas devem ser feitas agora, antes da inauguração e do corte da fita. Há garantias concretas de que haverá médicos de família suficientes? Especialidades médicas acessíveis? Serviços que realmente façam a diferença?

A infraestrutura é um meio, não um fim. De nada serve um edifício sem um serviço de saúde funcional e eficaz. Que medidas estão a ser implementadas para garantir a fixação de profissionais de saúde em São Brás de Alportel? Porque, no final, o que importa não é o betão — são as pessoas.

Otimismo, mas sem ingenuidade

O anúncio da nova Unidade de Saúde Familiar deve ser recebido com otimismo, sim, mas não com complacência. Se for devidamente equipada e dotada dos recursos necessários, será um passo positivo para a população. Mas se for apenas uma promessa de campanha, um edifício sem capacidade real de resposta, então estaremos a repetir os erros do passado.

A saúde não pode ser tratada como um argumento de marketing político. Cabe-nos a nós, cidadãos, mantermos um olhar crítico, exigirmos transparência e garantirmos que esta infraestrutura representa uma melhoria efetiva dos serviços de saúde — e não apenas uma manobra eleitoral.

Porque mais importante do que construir um edifício é garantir que a população tem acesso a um serviço de saúde digno, acessível e sustentável.


Diogo Duarte