Durante o mês de outubro, o O Sambrasense teve o prazer de conversar com Cecília Fortes e a filha Filipa, duas simpáticas sambrasenses cuja história toca o coração de quem as ouve.

Natural do sítio dos Parises, Cecília é professora e mãe a tempo inteiro. Ao longo da vida, enfrentou inúmeros desafios com fé, determinação e um amor inabalável pela família. É no sorriso da filha Filipa que encontra todos os dias a força para continuar a lutar.
Sambrasense.
A Filipa, de 26 anos, é portadora de uma doença rara — Paraplegia Espástica tipo 35 — uma condição genética que provoca fraqueza e rigidez muscular progressiva, especialmente nas pernas. Apesar das limitações físicas, Filipa é um exemplo de alegria e superação: participa em terapias e atividades inclusivas, integra o grupo de teatro Abalar-te, em Faro, e é atleta da equipa de Boccia da União
Entre confidências, Cecília recordou também o saudoso pai Manuel João, figura muito acarinhada em São Brás de Alportel e grande defensor da serra, cuja memória continua a inspirar a família.
Esta é uma história de amor, compaixão e empatia, que reflete o melhor da alma serrana — a capacidade de transformar a adversidade em esperança e o quotidiano em exemplo de vida.
ENTREVISTA
Como surge a vontade de ser professora?
Eu gostava muito de frequentar a escola. Quando já estava nos últimos anos, ficava mais um bocadinho para ajudar os mais pequeninos a fazer os trabalhos de casa. Recordo com carinho a professora Rosália, que foi uma grande inspiração para seguir esta profissão.
Foi difícil continuar os estudos, mas batalhei sempre por isso. Se ficasse na serra, o meu futuro seria guardar ovelhas. Felizmente, a vida levou-me por outro caminho.
E qual foi a reação do seu pai quando terminou o curso?
Ficou muito contente! Tinha orgulho em dizer que a filha era professora. Na altura, era um grande feito.
E quando é que surge a oportunidade de ser mãe?
Fui mãe aos 22 anos, do Ricardo. Ainda estava a terminar os estudos e tive de conciliar as duas coisas. Foi um verdadeiro desafio. O Ricardo ainda era pequenino e já me acompanhava até à Escola de Cachopo. Era a realidade de uma professora jovem e mãe.
Mais tarde, especializei-me em Educação Especial e vim trabalhar para a Escola Poeta Bernardo Passos em São Brás de Alportel, onde ainda hoje me sinto em casa.
Já tinha a Filipa quando seguiu essa vocação pela Educação Especial?
Não! Curiosamente, foi mesmo uma vocação que senti, um chamamento. Passado um ano, fiquei grávida da Filipa, em 1999.
A Filipa nasceu com um diagnóstico normal. Foi um parto difícil, mas com sucesso.
Quando é que começou a reparar em algumas dificuldades da sua filha?
Por volta dos seis anos. Começou a cair, a perder força. A professora de ballet alertou-me que a coordenação motora estava a piorar. Na altura, sinceramente, achei que não tinha jeito para o ballet…, mas era o início de algo maior.
As quedas agravaram-se e fomos ao neurologista. Fizemos uma ressonância, que não revelou nada. Fomos seguidas em Pediatria, em Faro, mas sem um diagnóstico claro — e o estado da Filipa a piorar.
Só em 2017, através de um exame genético, recebemos o diagnóstico: Espática tipo 35, uma doença rara e progressiva.
Em traços gerais, o que é que caracteriza esta condição?
A Filipa tem vindo a perder capacidades de forma progressiva, com rigidez e fraqueza muscular, sobretudo nas pernas. Isso dificulta a marcha e provoca quedas, pelo que atualmente está numa cadeira de rodas.
É uma marcha arrastada, espática, como se as pernas pesassem cada vez mais.
E a nível cognitivo?
A Filipa entende tudo o que lhe dizemos. Fala pouco, mas percebe o mundo à sua volta. É muito observadora, muito expressiva. Comunica connosco através do olhar e das expressões faciais — é assim que mostra alegria, curiosidade ou tristeza.
Como é um dia normal na vida da Filipa?
Começamos a manhã com os cuidados de higiene, refeições e medicação. Depois, a Filipa vai para uma instituição em Faro até às 16h00.
Participa em várias atividades — terapias, psicologia, fisioterapia, acupuntura — e, claro, o teatro, a sua grande paixão! É no palco que a Filipa é verdadeiramente feliz. Faz parte do grupo Abalar-te, uma experiência fantástica e profundamente inclusiva. Ver a minha filha a sorrir no palco é das maiores recompensas que a vida me dá.
Além disso, é também atleta da equipa de Boccia da União Sambrasense, o que tem sido muito positivo para o convívio e o bem-estar físico.
Mas ser mãe e cuidadora a tempo inteiro não deve ser fácil…
Não é, mas é a nossa realidade. Somos companheiras. Gostamos da companhia uma da outra. Claro que há dias difíceis, mas também há muitos momentos de ternura.
Como mãe, há medo do futuro?
Sim, há sempre esse medo. Mas depois da morte do meu pai, aprendi a viver um dia de cada vez. É o que tem de ser.
Já não sinto culpa — embora a culpa seja uma mochila pesada que todas as mães carregam, sobretudo as que têm filhos com necessidades especiais. Hoje sinto apenas serenidade. Fazemos o melhor que sabemos, e isso basta.
É um processo longo de autoaceitação, de aprender a aceitar a vida como ela é, sem procurar respostas para tudo.
A Filipa vive a sua vida com os pequenos prazeres que vai conquistando — o teatro, o desporto, o convívio. E o mais importante: aquele sorriso contagiante que enche a casa.
Filipa, és feliz?
(Sorri) — “Sim.”

Isa Vicente
