Vera Rodrigues recorda a luta contra o cancro da mama

“Eu sobrevivi. Há tantas pessoas que sobrevivem. Não podemos pensar que é o fim do mundo. Há
algumas que não sobrevivem, mas é importante
partilhar as que sobrevivem. “

Vera Rodrigues, 41 anos, natural de São Brás de Alportel, militar da GNR, mãe, esposa, mulher, é uma
sobrevivente com um exemplo de vida de luta e garra.
Aos 33 anos é lhe diagnosticado um cancro da mama dos mais mortais, triplo negativo, numa jovem saudável
sem antecedentes, a iniciar um objetivo de vida ao tirar o curso de sargentos, mas nada a fez demover de
terminar o curso mesmo estando doente.
A fé que ganhou, os medos, os desafios, a dor da família, Vera contou-nos o processo difícil de rapar o cabelo,
mas também o ato de altruísmo dos camaradas ao raparem a cabeça também.
Sem paisagens cor-de-rosa, esta sambrasense desmitificou alguns processos difíceis da quimioterapia, os mitos
sobre o cancro da mama e a importância da prevenção desde cedo em homens e mulheres.

ENTREVISTA
És militar da GNR. Como surge esta oportunidade profissional?

Comecei a trabalhar bastante cedo e fui trabalhar para o Aeroporto, na altura quando estava lá, tinha vários
amigos que eram da PSP e suscitou-me interesse. Então, primeiramente, concorri à PSP e depois em
simultâneo concorri para a GNR. Chumbei na PSP e entrei na Guarda. Não foi algo que idealizei desde
pequenina, simplesmente surgiu.


Tinhas que idade?
Na altura quando entrei, tinha 23 anos! Já tenho uns aninhos disto.


Que motivos podem fazer uma mulher seguir este caminho?
Hoje em dia a Guarda tem muitas valências, temos vários caminhos que podemos seguir, já não há qualquer
tipo de distinção entre homens e mulheres.
Não me sinto diferente por ser militar GNR mulher. E trabalho numa área muito importante, a da violência
doméstica, há mais de 16 anos a lidar com assuntos muito complicados.


Qual é o balanço que fazes desse trabalho?
É muito gratificante, também é desgastante psicologicamente e cansativo, mas é muito compensador.
É muito bom saber que podemos ajudar, tanto para ouvir como para levar a situação a bom porto.


Aos 33 anos foi-te diagnosticado um cancro de mama. Como é que descobriste?
Apareceu-me um caroço no peito quando tinha 32 anos. Era muito pequenino e não liguei… e foi aumentando
cada vez mais. E só quando aumentou mesmo muito, é que fui ao médico.
Na altura, tinha entrado no curso de sargentos, ou seja, não estava cá. Estava na Figueira da Foz, fui ao médico
e mandaram-me logo fazer uma biópsia.
Só soube o resultado dia 7 de janeiro de 2013.


Pelo meio do processo, foste te apercebendo da gravidade da situação?

Achava estranho aquilo estar a aumentar tanto, porque é assim, às vezes sentimos aqueles durões mais
pequeninos, seja na menstruação ou numa tensão hormonal, mas aquele como estava a aumentar, quando fui
fazer a biópsia, a doutora não falou comigo, ela disse-me: “vamos aguardar pelo resultado, mas fique à espera
que a sua médica lhe ligue”, e aquilo soou-me logo que havia qualquer coisa de estranho.


Aos 32 anos, ninguém pensa que isso pode acontecer…
Claro que não! Eu era nova. Hoje em dia já se fala mais nisso e alertasse já as raparigas mais novas, mas na
altura eu não tinha antecedentes na minha família nem nada, parecia mentira.


O que é que consideras fundamental desmistificar sobre este processo?
Um dos pontos é, o cancro não aparece em mulheres com mais de 45 anos. Temos que desmitificar isso, pode
aparecer a toda a gente e não nos podemos esquecer que o cancro da mama pode aparecer também aos
homens. Isto não é uma doença só de mulheres.
Eu sou saudável, não fumo, não bebo, faço exercício, tenho uma alimentação que acho equilibrada, ou seja,
nada previa acontecer uma coisa destas e a verdade é que aconteceu. Portanto, acho que temos de estar
sempre em alerta.
Agora se me perguntares assim: “Diz-me lá se fazes a prevenção? Se continuas a ver o peito…” Não, nunca
mais toquei no meu peito. Nós devemos fazer, mas nunca mais fiz.


O facto de não mexeres é sinal que ainda tens receio?
Prefiro não mexer.
Se, entretanto, aparecer alguma coisa, hei de saber.
Eu fiz ostomia, ou seja, não tirei completamente o peito, tirei só metade. E neste peito doente, eu ainda tenho
restos de radioterapia, ou seja, ainda tenho um bloco que vai desaparecendo ao longo dos anos.


Aos 33 anos, quando te disseram que o diagnóstico era um cancro, lembras-te qual foi a tua primeira
reação, ou pensamento?

Eu estava sozinha no curso, na Figueira da Foz, e tinha pedido aos meus camaradas para ir ao médico.
Ninguém sabia, nem a minha família. Não comentei isto com ninguém.
Então o médico disse-me: “Você tem cancro da mama”, assim. E encaminhou-me para uma doutora, e ela falou
comigo e disse-me para ir para casa, que não ia aguentar o curso, que tinha de ir para ao pé dos meus pais.
Sai de lá com aquilo na cabeça, e tinha de fazer uma série de exames. Fui para ao pé do mar. Nunca pensei na
morte. Acho que pensei no curso. Não queria dar a parte fraca. Mas pronto.


E daí até aos tratamentos como foi o processo?
Foi tudo muito rápido. Fiz tudo lá em cima, depois fui falar com o meu diretor de curso, avisar que tinha cancro e
que tinha de me ir embora. Porque a minha ideia é que eu tinha de desistir porque não ia aguentar e que podia
morrer.
E o meu diretor de curso disse-me que não ia a lado nenhum, que conseguia equilibrar os tratamentos com o
curso. E não vim. Continuei e fiz tudo.


E quando é que a tua família ficou a saber?
Ficaram a saber dia 20 de janeiro, acho eu. No mês que os meus irmãos fazem anos.
Eu não disse a ninguém.

Como é que foi a tua reação à quimioterapia?
O cabelo caiu-me logo. Ao fim do primeiro tratamento começou a cair-me, e então rapei logo o cabelo. Eu acho
que foi o pior momento. Custou muito.
Queria voltar para o curso com o cabelo rapado, porque eu penteava-me, o cabelo ficava-me todo nas mãos e
eu não queria que ninguém visse.

Para uma mulher, rapar o cabelo deve ser das piores partes. Como é que te sentiste?
É muito complicado. É muito mau. Lembro-me que na altura, o meu irmão mais novo foi-me buscar a Faro e ele
perguntou-me como estava e expliquei que o cabelo já me tinha começado a cair e que tinha de ir rapar o
cabelo. E mexi no cabelo e o cabelo ficou-me na mão. Foi horrível. Depois inchei muito.
Foi tudo mau. A quimio em termos físicos causa dores horríveis.
Durante os tratamentos, enfermeira dava-me umas luvas de gelo, para colocar lá as minhas mãos durante o
processo todo da quimioterapia para que as unhas não me caíssem e não ficassem amarelas.
Aquilo dava dores… é como se puséssemos as nossas mãos dentro de uma arca e deixássemos lá. É horrível.
Os tratamentos são horríveis.


Apesar de ter sido uma quimio bastante forte, conseguiste acabar o curso?
Sim, eu acho que a quimioterapia tem a ver se é hormonal ou não. O meu cancro não foi hormonal, então não
podia tomar medicação e aquelas pessoas que têm cancro da mama que é hormonal, com a medicação a
quimio já não é tão forte. Pelo menos foi mais ou menos assim que me disseram.
Mas, conclui o curso e tive a maior demonstração de altruísmo que podia ter dos meus camaradas, todos
raparam o cabelo, menos as mulheres… eu estava a sair para mais um tratamento e eles durante a noite
raparam todos o cabelo.


Deu-te a certeza que estavas no sítio certo?
Sem dúvida. Eu só não me fui abaixo porque estava no curso. Porque estando lá, não queria dar parte fraca. Fiz
tudo. Só não fiz as provas físicas, e algumas componentes de contacto físico porque não aguentava, mas fiz no
final. Não fui beneficiada em nada.
A única coisa que fazia era nos dias de tratamento, não ia às aulas e às vezes pedia para sair mais cedo para
descansar, porque não conseguia estar sentada. E consegui terminar.


O que é que deu força no processo para superar?
Eu acho que foi o curso. Eu acreditei sempre que ia vencer. Nunca pensei na morte. Tanto que a minha mãe
ligava-me e eu estava sempre bem, nunca demonstrei o que se estava a passar. A minha família não sabia
metade das coisas que passava, não podiam saber.


E depois de rapares o cabelo, como é que te habituaste a ver ao espelho?
Eu achava-me muito gira! Usava lenços e depois comecei a habituar-me. Apenas tinha cuidado com os meus
sobrinhos para eles não me verem completamente careca.
O que me custou mais foi com o meu avô, que na altura estava acamado, e eu ia quando ia visitá-lo, levava
sempre um lenço… mas naquele dia estava distraída e fui lá vê-lo e o meu avô olhou para mim e disse: “Ai
Vera, estás tão careca…” e foi triste.


És uma mulher de fé?
Sou.


Sempre foste?

Acho que me tornei.


Perde-se a fé ou ganha-se fé?
Temos de ter fé. Por muito que não pensasse na morte, porque eu achava que não ia morrer disto, eu tinha de
acreditar que ia conseguir. Tinha muita fé que ia conseguir. Tentava não pensar muito na doença.


Nunca condicionaste a tua vida porque tinhas um cancro?
Não.


Já és mãe. Há quanto tempo?
Sou! Tenho uma filha de 5 anos. Fui mãe durante o período que não deveria ter sido, porque fui logo mãe
depois de 3 anos depois de ter ficado doente. Foi uma gravidez de alto risco, mas tenho uma filha linda e
saudável.


Como é viver depois de um cancro?
Faço a minha vida toda normal, e não penso muito nisso. Às vezes tenho dores, o meu braço incha, mas tento
fazer a minha vida normal. As consultas de rotina custam muito… eu ia sempre com o meu marido, e metade
das coisas eu não ouvia, deixo de ouvir porque talvez me foque nas piores coisas. Eu sou seguida por
oncologista, senologia… entre outros.
E isso é muito difícil, porque parece que voltamos a viver tudo, a ansiedade de saber se está tudo bem…


Consideraste uma sobrevivente?
Sim, claro que sim!


E que conselhos dás a alguém que esteja a passar por uma situação destas?
Que acredite. Que não é o fim do mundo. Temos de acreditar que as coisas vão passar. Eu tentava não pensar
em coisas tristes e naquelas alturas é muito fácil cairmos na depressão e pensar que só nos acontece a nós.
Mas aconteceu e temos de seguir.
Tenho a minha filha! Na altura pensava que não podia ser mãe e consegui.
Cancro. Triplo negativo. Dos mais mortais. E correu tudo bem! Temos de acreditar que coisas boas acontecem.


Hoje em dia, encaras o tema do cancro de frente?
Não. Acho que nunca vamos conseguir fazer isso. Eu falo sobre isso! E se ver alguém que precise, eu falo e
conto a minha experiência, e não poupo as palavras.
Digo a verdade, que é duro, é horrível, que tudo é horrível. Não é fácil.
Na altura em que tive doente encaminharam-me para a psicóloga da linha do cancro, e disse-me que não ia
aguentar o curso, que ia entrar em depressão.
Ou seja, estamos a fechar um pouco aqui as mentalidades.
Eu sobrevivi. Há tantas pessoas que sobrevivem. Há tantas situações. Não podemos pensar que é o fim do
mundo. Há algumas que não sobrevivem, mas é importante partilhar as que sobrevivem.

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