No dia 3 de setembro de 2025, Lisboa viveu uma das maiores tragédias recentes na sua rede de transportes. O histórico Elevador da Glória, que desde 1885 liga a Praça dos Restauradores ao Bairro Alto, descarrilou após a rutura do cabo de ligação entre as cabinas. O acidente resultou em 16 mortos e 22 feridos, muitos deles em estado grave, e deixou a cidade em choque. As autoridades abriram de imediato uma investigação para apurar as causas, centrada sobretudo na manutenção do equipamento e no sistema de segurança do funicular.

Nesta edição damos voz ao testemunho de uma jovem médica interna sambrasense, Dra. Adriana Fernandes, que, na linha da frente, recebeu e acompanhou os feridos desta tragédia, partilhando connosco a experiência única e intensa de quem viveu o drama de perto.
ENTREVISTA
Como é que soube do acidente no elevador da Glória?
Foi o meu primeiro dia no serviço de Cirurgia Geral do Hospital São Francisco Xavier. O dia corria de forma estranhamente calma — e, por experiência, sabemos que quando isso acontece, todos os profissionais de saúde sentem um certo receio de dizer “hoje está calmo”. Eu acabara de proferir estas mesmas palavras a uma colega quando a Diretora da Urgência bateu à porta da Pequena Cirurgia e nos informou: houve um descarrilamento do Elevador da Glória, havia vários feridos, e deveríamos nos preparar para receber alguns casos graves.
Assim que a porta se fechou, dirigimo-nos a uma das salas de registos clínicos, onde as notícias já mostravam as primeiras imagens do acidente. Rapidamente tentamos compreender a dimensão da tragédia e começamos a distribuir tarefas. Os internos mais novos ficaram com os casos mais simples, os internos mais experientes assumiram os mais complexos, enquanto os especialistas coordenavam os restantes recursos e as salas de bloco.
Como foi o momento em que começaram a chegar os primeiros feridos ao hospital?
A situação estava, na verdade, bastante caótica, pois ao mesmo tempo chegavam feridos de outros acidentes. Embora ainda contássemos com alguns médicos, enfermeiros e auxiliares, as equipas estavam constantemente reduzidas ao mínimo necessário, o que nos obrigava a desdobrar de formas quase impossíveis.
Recebemos três vítimas do sexo feminino, sobre as quais não tínhamos informações: não sabíamos nacionalidade, nome nem alergias a medicamentos, e estavam registadas no sistema como “não identificado 1, 2 ou 3”. As próprias vítimas não conseguiam fornecer qualquer dado. Simultaneamente, a polícia chegava com as poucas informações de que dispunha, tentando descobrir quem poderiam ser.
Para além das equipas da urgência, bombeiros, equipas da VMER, outros utentes e o movimento intenso nos corredores contribuíam para um cenário de grande confusão, onde cada decisão precisava de ser rápida e precisa.
Que tipo de ferimentos apresentavam maioritariamente?
Maioritariamente fraturas. O impacto deve ter sido abismal tendo em conta a brutalidade das lesões que observamos. Fraturas ósseas dos membros, da coluna e também hemorragias cerebrais e abdominais pelo impacto.
Na sala de reanimação, ao mesmo tempo, tratavam-se 2 e 3 causas potenciais de morte ao mesmo tempo.
Como foi a articulação entre equipas médicas, bombeiros e INEM nesse dia?
A articulação foi feita diretamente com a direção da urgência, e a equipa médica recebeu a informação assim que esta chegou, permitindo-nos preparar materiais, salas e desobstruir os corredores. Assim que as vítimas deram entrada, chegaram também elementos que estavam de folga, prontos a colaborar e a reforçar a equipa.
A polícia, munida apenas de anotações manuscritas, tentava, em meio à azáfama, identificar as vítimas. Os bombeiros e a equipa da VMER mantinham um constante “vaivém” de transportes, o que tornou o contacto direto mínimo, exigindo ainda mais coordenação e rapidez da nossa parte.
Como é, para uma médica, lidar com uma situação inesperada e de grande afluência de vítimas?
É stressante não saber o que esperar. Torna-se ainda mais desgastante quando sabemos que os recursos disponíveis são insuficientes para oferecer a melhor resposta possível. Quando tudo corre bem, é uma sensação incrível — uma verdadeira recompensa pelo esforço de todos. Mas, quando os desfechos não são felizes, a dor e a frustração nos acompanham para casa, sempre misturadas com a pergunta: “o que poderíamos ter feito mais ou melhor?”
Ao mesmo tempo, situações desafiantes como esta revelam exatamente a essência dos profissionais de saúde e do SNS: garra, união, trabalho de equipa, humanismo e altruísmo. É nestes momentos que se percebe a força e a dedicação que movem cada dia no serviço público de saúde.
Que mensagem gostaria de deixar às famílias dos feridos?
As sinceras condolências. Não consigo imaginar o que estarão a sofrer neste momento. Partilho a maior solidariedade para com as mesmas e desejo a maior força para ultrapassar este momento difícil.


Isa Vicente
Imagens: Jornal de Notícias