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16 de Outubro de 2025

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26 Junho, 2025 | Entrevistas

Ca(le)jados da Terra – José Brígida

Os pastores são uma espécie de guardiões do tempo… não guardam apenas rebanhos… guardam histórias, tecidas com a sabedoria da vida… são Património Vivo da nossa terra…
Fomos atrás dos nossos pastores, para lhes prestar uma merecida homenagem…
Junte-se à conversa, mensalmente, na agenda “São Brás Acontece”; nos meios do município e nos jornais locais.

José Brígida - Ca(le)jados da Terra

Eu tenho mai de 50 nomes: Zé do Canadas, Zé da Soalheira, Zé da enfardadeira, era Zé da Otília, Zé das cabras, Zé besugo, o Zé da Ti Virgínia, o Zé do Valdemar, ou atão o Zé Brígida. Nasci em Silves, vim viver pa Moncarapacho e depoi há 18 anos é que eu tenho a residência em São Brás. Eu era tratorista, tenho tratores, trabalhava por minha conta, e depois quando vim pr’aqui tinha o gado e tou na Câmara. Sou canteneiro de limpeza, mais ando é com uma camionete, ando ali na recolha dos monos dentro da vila. Vivo com uma senhora ma sou divorciado, tou junto, tenho uma companhia. Tenho uma filha e tenho um casal de netos.

Sempre tive animais, até quando eu andava na escola, nessa altura tinha lá uma burra, uma vaca, tinha cabras. E depois plo Natal, fazia-se o presépio lá no pátio da escola e lá punha a vaca, lá punha a burra e as cabras erem as ovelhas, e eu era o sã José e tava uma rapariga de minha idade que era a nossa senhora, e depois punha-se um gaiato ali deitado ali nas palhas.

Tive vacas, o me pai possuía vacas, e a gente é que tratávamos disso, o meu pai teve na França, e depos deixou cá o trabalho pós filhos e pá mulher. Sou pastor, sempre vivi nisto, aqui já tenho possuído cento e tal cabras, agora tenho praí trinta e tal, é raça algarvia e são cruzadas. Tenho as ovelhas, a churra algarvia.

Isto tem um valor doido meninaaa, eh, ninguém sabe dar o valor disto, só pra quem gostaaa. Tão quem é que quer andar aí molhado o dia inteiro e mal comido e mal dormido? Eu pa dizer que fui muito solitário com o gado não, não porque a gente ajuntávamos rebanhos e tal, fazíamos almoços… mas pronto o que é que à noite tínhamos que ficar ao pé delas, ma nesse tempo não me fazia diferença porque eu nesse tempo era solteiro. Dormia aí acompanhado com o guarda-chuva e com os cãs, oh… atão e adepos arranjar umas pedras, arranjar uns paus e adepos um mato, atravessar ali em cima daquilo com um plástico, vá, a gente deitar-se ali e a água a correr por baixo? Tão e depois em velhos a gente sofre, depois vêm as tais dores, tão claro. E depois as friezas q’eu apanhei com os tratores?”

Quando questiono dos rendimentos: “pouco ou nada, olha agora tem sido uns anos que nãh tenho tirado nada, têm é morrido por causa dos venenos que eles poem.

Ah, mas os tratores e as cabras isso é uma paixão já desde criança, eu desde os 15 anos que ando com tratores, porque o meu primo tinha um trator, e eu ia lá e ora, toca de andar no trator, e depois oh, fui gostando daquilo, fui-me apaixonando pel’aquilo… e depois andávamos naquelas terras que aquilo era lavrar com aquelas ladeiras e depos aquilo dá vício.

Antes quem tivesse um pomar pequeno, duas ou três porcas brancas e duas vacas leiteiras vivia à rica, hoje morre de fome. E nesse tempo nãh davam insubsídios, agora dão subsídios pra tudo e cada vez as pessoas vivem mais mal. A liberdade é quando não me chateiem a cabeça, olhe isso é que é uma liberdade boa. Ah, mas a liberdade é a gente conviver uns com os outros, isso é liberdade.”

José Brígida - Animais
José Brígida – Animais


(texto transcrito, na íntegra, conforme original, em respeito pelo património oral)

Este projeto da Câmara Municipal de São Brás de Alportel é desenvolvido em parceria com a associação local Barro i Cal, com criação de Ana Beatriz Bernardo de Jesus.