Foi com grande emoção e um profundo sentimento de respeito que realizámos esta entrevista com Verónica Lourenço, filha única do saudoso Jacinto Lourenço, figura incontornável da arbitragem e do desporto sambrasense.

Mais do que recordar o árbitro rigoroso e apaixonado pelo futebol, Verónica quis abrir o coração e falar do homem — o pai, o marido, o amigo — que marcou para sempre a sua vida e o carinho de todos os que com ele conviveram.
Um homem de afetos, entre o apito e o amor pela família
“O meu pai foi o grande amor da minha vida”, confessa Verónica, com um brilho doce nos olhos.
Entre memórias que o tempo não apaga, lembra os dias em que acompanhava o pai aos jogos — pequenas aventuras que, para uma menina, eram sinónimo de passeio e de orgulho. “Recordo-me de ir com ele, apesar de ser muito pequenina, porque era a única maneira de ir até Lisboa. Outras vezes ficava com a minha mãe no café que explorávamos, o Café dos Unidos.”
Jacinto Lourenço foi um homem de paixões simples, mas profundas. A sua família e o futebol estavam no centro de tudo. Adepto fervoroso do Sporting Clube de Portugal, foi também jogador nos anos 50 em S. Brás de Alportel, atuando como médio e integrando as equipas pioneiras do futebol na nossa terra.
“Era um homem calmo, carinhoso com os netos e bisnetos, e sempre muito protetor da minha mãe, a sua Cesaltina. A história deles foi digna de cinema”, partilha Verónica, entre sorrisos e saudade. “Conheceram-se nos bailes da sociedade, apaixonaram-se perdidamente e chegaram mesmo a fugir por amor. A minha mãe era lindíssima, parecia uma estrela de Hollywood. Dessa história nasci eu, a sua única filha.”
O apito, a amizade e a paixão pelo jogo
Mas se a família foi o seu porto seguro, a arbitragem foi a sua grande vocação.
Nos anos 50, Jacinto trocou o papel de jogador pelo de árbitro, iniciando uma carreira notável que o levou a pisar grandes estádios nacionais. Para conhecer melhor o seu percurso, falámos com o seu antigo colega e amigo de sempre, César Correia, mestre da arbitragem nacional e internacional, que guardou palavras sentidas para este reencontro de memórias.
“Antes da arbitragem, o Jacinto teve outra paixão: a música. Tocava bateria e harmónica de gaita! Era um homem cheio de vida e talento”, recorda com carinho César Correia
Amigos desde a juventude, César e Jacinto partilharam muito mais do que os relvados. “Na altura de namorar, também fomos cúmplices. Saíamos com a Cesaltina e a Suzel, que viriam a ser as nossas esposas. Eram tempos bonitos”, conta, com um sorriso nostálgico.
A aventura na arbitragem começou em 1959, ao lado de César Correia e Daniel Marta. Formaram assim uma equipa sambrasense de arbitragem emblemática. “Fomos na ilusão de que seria fácil, mas a verdade é que exigia muito rigor e dedicação. Quando subi à 2.ª Divisão, escolhi o Jacinto como fiscal de linha. Sabia que podia confiar nele. Quando passei à 1.ª Divisão, ele também veio. Era o meu companheiro ideal — sério, justo, exemplar.”
César lembra ainda um reencontro especial, anos mais tarde, quando Jacinto já vivia em França. “Numa ida a Paris para apitar um jogo, não hesitei em contactá-lo. Encontrámo-nos, matámos saudades e falámos, claro, de arbitragem e das saudades de casa.”
Uma vida inteira de retidão e amizade
A emigração para França, nos anos 70, não apagou o brilho da sua carreira, mas deu-lhe novos horizontes. Lá, construiu uma vida com a sua família, sem nunca perder o vínculo à terra natal e ao desporto que tanto amava.
Jacinto Lourenço partiu em 2003, aos 73 anos, após uma cirurgia. “Fiquei muito triste com a sua partida”, confessa César Correia. “Recordo-o como um homem bom, educado, civilizado, um verdadeiro bon vivant. Nunca foi de excessos — era disciplinado e íntegro. Um companheiro dentro e fora de campo, e um amigo para a vida toda.”
Uma memória que continua viva em São Brás
O nome de Jacinto Lourenço permanece vivo na memória coletiva de São Brás de Alportel. Representa uma geração de homens que viveram o desporto com paixão, ética e amizade — valores que ainda hoje inspiram quem o recorda.
A sua história é, antes de mais, uma história de amor e dedicação — ao jogo, à família e à vida.
E, como diz a sua filha Verónica, “o meu pai nunca deixou de estar presente. Está em mim, em tudo o que faço, e em cada memória bonita que deixámos juntos.”


Isa Vicente
Chefe de Redação ” Jornal O Sambrasense”
