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10 Março, 2025 | Opinião

César Correia – Santa Casa da Misericórdia e Museu do Traje nas conversas de café

César Correia - Santa Casa da Misericórdia e Museu do Traje nas conversas de café

Nas décadas de 50/60 do século passado, aquando da grande rivalidade no futebol que dividia a população são-brasense em adeptos do Unidos e do Desportivo, vinha para as mesas dos cafés, diluído na bica, o tal “cheirinho” que ajudava a fazer das dúvidas a certeza de cada um em favor da respectiva argumentação.

Os tempos mudaram, o bom senso imperou e, em 1970, as diferenças de cada um reencontraram o equilíbrio. A fusão geradora da União Desportiva Recreativa Sambrasense fez da unidade o exemplo de convivência e de associativismo que é hoje.

A sociedade são-brasense caracteriza-se por ser pacífica, solidária, sensata e respeitadora. Surpreende, por isso, o que por aí se ouve na rua, na cabeleireira, no café, onde há sempre um ouvido ávido de escutar o que alguém diz ou apenas balbucia, sobretudo se for tido como novidade. E a promessa do segredo, às vezes até ouvido no silêncio do outro, vai ser cumprida, sim, nem que seja apenas até ao próximo encontro…Assim se espalham as notícias, dilatadas, confusas, enganadoras!

Por volta de setembro passado começaram por aí, a voar baixinho, palavras sibilinas ao pé da orelha, a envolver o Sr. Diretor do Museu do Traje e o Sr. Provedor da Santa Casa da Misericórdia, (proprietária material do Museu), que foram deixando um sentimento de perplexidade em toda a gente, onde me incluo.

Do Sr. Diretor do Museu diz-se, por aí, que: -”desviou 50.000,00 euros da conta bancária do Museu; está suspenso, proibido de entrar nas instalações e de falar com os seus colegas; e  que não mais porá os pés no Museu”.

Do Sr. Provedor da Misericórdiadiz-se que: -“suspendeu o Sr. Diretor do Museu e instaurou-lhe um processo por difamação com vista ao despedimento com justa causa; confunde autoridade com autoritarismo; esquece que é, também, um trabalhador pago pela mesma entidade empregadora e tem um salário mensal a tempo inteiro, a que acrescenta mais 4 horas na Junta de Freguesia”.

Estas e outras andam na rua, levando a que se fale de São Brás pelas piores razões e a deixar confusos e boquiabertos os são-brasenses que se interessam pelas Causas Públicas, uma parte de si mesmos a que não querem ser alheios.

Conhecendo sobejamente Emanuel Sancho, o Sr. Diretor, um cidadão de corpo inteiro, honesto e cumpridor, Homem com H grande, com quem contacto desde há uns vinte anos como frequentador do Museu, logo imaginei que algo de errado crescia na voz do povo.

Sobre Júlio Pereira, o Sr. Provedor, não tenho opinião, porquanto a nossa relação nunca ultrapassou o normal cumprimento exigido pela boa educação.

Dispus-me, então, a tentar perceber, de origem fidedigna, o que há de verdade em tudo o que por aí se vai dizendo e custa a acreditar. Em consequência, debrucei-me sobre as notícias escritas nos comunicados divulgados, portanto indesmentíveis, que acomodam o dito contencioso, e constatei que estavam em causa, sim, 50.000,00 euros, retirados da conta bancária adstrita ao Museu para fim diferente do protocolado, por autoria exclusiva dos responsáveis da Santa Casa, segundo a sua própria comunicação denominada “Esclarecimento – Nota Informativa nº 90”.

Com ou sem razão justificativa para o procedimento, (retirada de 50.000,00 euros do Deve & Haver da referida conta) a prática dos bons preceitos e a ética na coabitação aconselhariam uma palavra justa, de respeito e de consideração para com o Sr. Diretor do Museu, o que não se verificou.

Esta NI nº 90 fôra elaborada por Emanuel Sancho, na qualidade de Diretor do Museu, com a responsabilidade assumida e inerente à gestão pela qual sempre respondeu no dia a dia da sua actividade.

Quando tomou conhecimento da retirada daquele valor, chamou a atenção do Sr. Provedor, da sua Mesa Administrativa, da Irmandade e, posteriormente, sem qualquer resposta, perante o desprezo a que foi votado o seu alerta, enviou a mesma NI nº 90 ao universo relacionado com a Misericórdia, evidenciando o incumprimento dos Protocolos de 26.02.1987, ponto 7 e de 28.08.1992, ponto 7, e do Regulamento de 1987, artigo 11º, alíneas a e b.

Aí pode ler-se que: -” todos os apoios que a Misericórdia e o Centro Cultural (extinto em 18.06.2007) venham a receber de entidades oficiais ou particulares para actividades culturais comuns, serão postos à disposição da Casa da Cultura António Bentes/Museu do Traje”.

Pela simples leitura do exposto se pode concluir que quaisquer valores provenientes de apoios recebidos para actividades culturais, se desviados para outros fins, deixam de estar postos à disposição da Casa da Cultura António Bentes/Museu do Traje.

O mesmo documento refere ainda um levantamento anterior, da mesma conta e do mesmo valor, este com reposição posterior, a pedido do Sr. Diretor do Museu, sem que qualquer justificação fosse apresentada pelos responsáveis da Santa Casa.

Entretanto, relendo os dois comunicados emanados da própria Santa Casa da Misericórdia, o primeiro a 23.09.2024 e o segundo a 09.12.2024, intitulados, respectivamente, “Esclarecimento – Nota Informativa nº 90” e “2º Comunicado”, fica a confirmação de uma transferência da conta bancária do Museu que, efetivada, deixou de estar “…à disposição da Casa da Cultura António Bentes/Museu do Traje”.

 A razão invocada, consubstanciada num depósito a prazo, é um procedimento que, ao contrário do pretendido, confirma a preocupação manifestada, atempadamente, pelo Sr. Diretor do Museu.      

Também a ausência de qualquer justificação ou desmentido quanto ao outro levantamento de igual valor, oportunamente denunciado, configura um aval à denúncia vertida na mesma NI nº 90.

Escrutinados os conteúdos das comunicações da Santa Casa da Misericórdia, impõe-se apreciar as respectivas acusações, analisar a sua materialidade e contrapor as mais lógicas conclusões.

Assim, no comunicado de 23.09.2024, a Misericórdia diz:

Ponto 1 – “…surpreendidos por uma mensagem …de conteúdo difamatório e descrevendo factos que não correspondem minimamente à verdade, relativamente a uma movimentação bancária”.

Contraposição:

Ponto 1’- a)

A difamação, conotada com intuito pejorativo, intui-se quando assenta em palavras desprovidas da verdade e irrealistas. Isto é, falsas e enganosas!

Não é o caso.  A matéria em causa, tratada na Nota Informativa nº 90, refere de forma explícita, e tão só, “Uso indevido de dinheiro do Museu pela Santa Casa da Misericórdia de São Brás de Alportel”, o que não é desmentido.

Ponto 1’- b)

Pelo contrário, a confirmação encontra-se naquele mesmo comunicado, onde se diz, textualmente: “…o destino do mesmo: a sua colocação em depósito a prazo, justamente para melhor rentabilidade das verbas destinadas ao Museu do Traje”

Confirma-se, assim, que o alerta do Sr. Director do Museu tem o peso da Verdade e esta, à luz de séria e corrente interpretação, nunca configurou qualquer difamação!

Ponto 2 – Acusa quando diz “…denegrindo o trabalho diário de mais de uma centena de colaboradores e lança mais uma farpa ao trabalho de muitos…”  e ”…mais um ato desrespeitador do bom nome da nossa Misericórdia…trabalho honesto, responsável e dedicado de muitos…seja levianamente posto em causa…”

Contraposição:

Ponto 2’- É uma acusação totalmente desfasada do tema em questão, na tentativa de envolver toda a estrutura nos reparos feitos pelo Sr. Diretor do Museu, tão só e exclusivamente, à Mesa da SCM, relativamente à desajustada efectivação do movimento bancário.

Ponto 3 – Pretende mostrar um modelo exemplar de organização e funcionamento quando diz: “…todos os assuntos importantes são deliberados pela Mesa Administrativa, órgão executivo e colegial composto por 5 Irmãos, os seus movimentos financeiros são escrutinados por colaboradores e pelos vários órgãos da Irmandade”.

Contraposição:

Ponto 3’- Assim sendo, e o que está em causa não é a forma organizativa da SCM, nunca posta em causa, a conclusão que se pretende evidenciar é a de que todas as deliberações importantes são tomadas pela Mesa e os movimentos financeiros são escrutinados por colaboradores e pelos vários órgãos da Irmandade. O mesmo é dizer que a solidariedade é total em todas as resoluções, onde se inclui esta, em apreço, dando a ideia de envolvimento de todos os órgãos e colaboradores no conhecimento, na decisão e na responsabilidade das deliberações.

É matéria nunca posta em causa e muito menos aflorada pelo responsável do Museu, portanto despicienda e supérflua.

Entretanto, uma “Petição em defesa do Museu” recebeu 1.325 assinaturas e foi enviada a várias entidades oficiais, entre as quais o Sr. Presidente da Câmara Municipal de São Brás de Alportel que teve, também, a amabilidade de receber pessoalmente uma comissão de três dos signatários da mesma.

Prometeu interessar-se pelo caso e, efectivamente, fez publicar um Comunicado onde se pode ler que se encontra “…como sempre disponível para colaborar na mediação da situação, caso ambas as partes o manifestem expressamente e reiterando a disponibilidade para prestar todas as informações que forem necessárias, a bem do melhor esclarecimento”.

Do Sr. Diretor do Museu, através do seu advogado, já recebeu a manifestação de disponibilidade para essa diligência vai para dois meses. Do Sr. Provedor da Misericórdia, que conste, ainda não. Daqui se pode concluir que não está interessado na continuidade de Emanuel Sancho, embora no “2º Comunicado” se leia que: “Não está em causa o apreço pelo trabalho que o diretor do Museu desenvolveu ao longo destes anos, em prol da cultura…”

Expõe-se, assim, à liberdade de pensamento da urbe e a que se soltem conjecturas sobre os objetivos que, eventualmente, persegue, o que neste pleito e na opinião pública, parece não beneficiar a sua imagem.

Regresso ao início desta crónica, mais propriamente a 1970. Quando, num gesto de bom senso, tendencialmente apaziguador para a sociedade são-brasense, e cientes das responsabilidades que sobre os seus nomes e desempenhos impendiam, os dirigentes desportivos dos clubes rivais deram as mãos e desenharam um futuro promissor.

Pela ausência de notícias consequentes, já nas conversas de café se vai ouvindo que a louvável disponibilidade do Sr. Presidente para gerar o entendimento, em vez de merecer dar as mãos, lamentavelmente, levou com os pés!


César Correia