“Deus sabe que somos a família ideal para ter um menino assim e para o ajudar. E pronto, cá estamos!” Eduarda Coelho
José Eduardo Teixeira Coelho, 31 anos, filho de Eduarda Coelho e José Manuel Coelho, é um jovem com paralisia cerebral, que vive em São Brás, junto da sua família e amigos.
A sua família, os amigos, o desporto e mais recentemente, a pintura, são a sua grande paixão, passa os dias a realizar atividades desportivas, a lançar novas iniciativas ou a socializar na Sapataria Zé, da gerência dos seus pais.
Revelou-nos de sorriso rasgado que é uma pessoa feliz, tem objetivos de vida e sonha um dia trabalhar na área do Desporto.
A mãe, Eduarda Coelho, deu o seu testemunho enquanto mãe, cuidadora e amiga, as maiores dificuldades, os medos e acima de tudo o amor que os une.
ENTREVISTA
Quem é o Zé Eduardo?
Zé: O Zé Eduardo é um rapaz de São Brás que anda numa cadeira de rodas.
Tenho 31 anos!
O que gostas de fazer nos tempos livres?
Zé: Pintura, jogar Boccia e estar com os meus amigos.
Como é um dia normal na vida do Zé Eduardo?
Zé: Levanto-me cedo. Às 7 da manhã! Depois vou à sapataria… ao pavilhão fazer as atividades, ou ver os treinos das Machadinhas e do Sambrasense, quando não está muito frio.
O Zé tem assistente pessoal sempre a acompanhá-lo?
Eduarda: Sim, tem um assistente. A outra rapariga arranjou outro emprego e foi embora, e agora tem um rapaz, que se chama Diogo e é quem o tem ajudado nas artes manuais e pintura.
Zé, fala-me lá um bocadinho das atividades que fazes, por exemplo, a pintura?
Zé: Eu pinto porque a Mariana pôs-me aquele bichinho!
Eduarda: A Mariana foi uma das assistentes pessoais que o Zé teve! Isto dos assistentes pessoais é um projeto piloto que vai terminar, supostamente, em Fevereiro. Foi ela que lhe pôs esse bichinho em 2020. Primeiro em trabalhos com papel e posteriormente avançou para trabalhos em telas e outros materiais.
O gosto pela pintura foi evoluindo, tornando-se algo presente no dia-a-dia do Zé, o que lhe motiva a fazer novas experiências, utilizando várias técnicas, sempre com o objetivo de presentear os amigos. Aliás, um dos objetivos das telas é presentear amigos! Gosta de oferecer! Os temas das obras que o Zé faz são variados, desde abstrato, natureza, épocas festivas… É o que ele gosta mais!
E o teu projeto de Boccia como está a correr?
Zé:Mais ou menos…Já temos 7 pessoas!
Eduarda: Entretanto, falámos com um senhor e ele disse que para um grupo particular era mais complicado porque tem que se conseguir bolas. Estas bolas custam à volta de 200 euros. Temos um jogo que nos custou por volta de 450 euros há uns anos… agora há mais baratos. Mas mesmo assim!
O grupo de amigos do Zé Eduardo, tem feito algumas coisas, o Raul e a Madalena que são jovens portadores de alguma deficiência, que se juntaram para jogarem boccia! Em São Brás temos uma Junta de Freguesia, um Pavilhão com boas condições para ceder uma sala para que possam fazer estes encontros. Esperamos conseguir atingir este objetivo.
Em São Brás pratica-se muito desporto e gostaríamos que este desporto adaptado também fosse praticado. Porque realmente, há pouco tempo recebemos um flyer das atividades que as pessoas podem usufruir e não há nada para desporto adaptado, e temos vários jovens em São Brás.
E porque é que o Boccia é um desporto para todos?
Zé: Porque é um desporto adaptado! É um desporto para todos porque todos o podem jogar!
Eduarda: Este desporto não é somente para pessoas com deficiência, qualquer pessoa pode participar.
Há alguma coisa que queiras muito fazer um dia? Um sonho grande?
Zé: Trabalhar!E o outro era criar uma equipa de Boccia.
Eduarda: Era trabalhar, ter um emprego…
E em que área seria?
Zé: No pavilhão, em desporto!
Eduarda: O sonho dele era que a câmara o colocasse lá a trabalhar. Ele faz voluntariado, participa e ajuda o Professor Pedro nas aulas de patinagem. Mas é assim, sem ser nada oficializado. O sonho dele era ser empregado de lá.
Eduarda, lembra-se do dia em que soube que estava grávida do Zé?
Eduarda: Lembro-me perfeitamente. O Zé é o segundo filho e foi planeado e muito desejado. Foi muito bom!
E o que aconteceu no dia do parto?
Eduarda: No final da gravidez, tive a tensão alta e fiquei de baixa, mas nada de problemas. Depois, fui para o Hospital e comecei com dores. Disseram-me para esperar porque ainda não era para nascer.
Sou uma pessoa muito calma e tranquila e esperei, mas passado umas horas chamei alguém porque não estava a suportar as dores. Chamaram o Médico e só nessa altura é que me colocaram o CTG e ainda hoje me lembro dos barulhos que ouvi no CTG. Os médicos quando ouviram disseram que tinham de avançar com a cesariana. Eu pensei logo que algo não estava bem.
Fui para a cesariana, depois quando acordei da cesariana disseram que o Zé estava na incubadora porque estava muito frio.
Entretanto, fui para casa e estava tudo bem. Nada de desconfiança. Porque isto é assim, eu já vou um bocadinho à frente… as coisas correm mal, mas as paralisias cerebrais é uma coisa que se pode ficar com uma sequela pequenina que nem se nota e vai crescendo. Eles nunca dizem. É a realidade que temos.
Depois viemos para casa, e o Zé sempre foi e é saudável. Só se começou a assinalar diferenças a partir dos 2/3 meses que se começou a notar que não se segurava. Como já tinha a experiência do primeiro filho, notava que o Zé não se segurava e entortava os olhos.
A médica dizia-me para tranquilizar e que cada bebé tinha o seu ritmo, que há crianças que desenvolvem mais tarde, e sempre com esta conversa. Mas o coração de mãe sente sempre qualquer coisa. Até que chegou aos 7 meses e ele ainda não se segurava bem. E fomos a uma médica especialista em Lisboa e ela disse-nos, “Mas ainda não lhe disseram que o seu filho tem paralisia cerebral?”, e só aqui é que eu soube. Foi um choque. Mas temos feito tudo. Começamos a ir à APPC a partir dos 7 meses para fazer terapias. Mas o diagnóstico é Paralisia Cerebral.
Nunca se justificaram por alguma coisa ter acontecido?
Eduarda: Estava tudo bem. Ele não tinha deformação, nada. Aquilo foi sofrimento na altura do parto. Não é nenhuma doença, foi apenas sofrimento. A paralisia cerebral é a falta de oxigénio e o que acontece? As células do cérebro vão morrendo. E há outra coisa que me ficou marcada. Ele ficou assim porque teve muitas horas à espera, e eu no primeiro filho já tinha feito cesariana, porque não dilatava. Depois do Zé, quis fazer laqueação de trompas, porque já tinha 33 anos e não queria ter mais filhos.
Depois de tudo, e de ter feito, disse-me: “Ainda bem que fizemos a laqueação, porque o seu útero já não estava em condições. Porque este bebé rasgou a costura da outra cesariana.” Não fiz queixa de nada, não sabia de nada porque só aos 7 meses é que soube que o Zé tinha paralisia cerebral. Mas estas coisas vão vindo à cabeça.
Para mim, isto foi negligência. E muitos casos de paralisia cerebral, que depois contactei com outros pais da APPC, é negligência. Está tudo bem e de repente os miúdos entram em sofrimento e não atuam rápido.
Aqui em relação ao Zé, ele compreende tudo aquilo que nós dizemos.
Eduarda: Tudo.
Às vezes sente que o Zé está preso no corpo dele, porque queria expressar-se mais?
Eduarda: Eu penso que não. Ele é muito social, ele não se sente aborrecido, geralmente está sempre contente.
Como é que tu te sentes, Zé?
Zé: Sinto-me bem!
Eduarda: Houve uma vez que uma senhora disse: “Ai coitado…” e ele respondeu: “Mas eu sou muito feliz!”.
E como tem sido os últimos 30 anos? Como tem sido este desafio?
Eduarda: Não foi muito fácil.
Para já quando soubemos que tinha paralisia cerebral, eu e o meu marido viemos os dois para baixo destroçados. Não sabíamos o que era paralisia cerebral. Porque quando não se tem um problema, não nos interessamos por ele. A nossa posição foi fechar-nos. Não íamos a lado nenhum, não nos mostrávamos a ninguém. Chorávamos. Passou tudo.
Entretanto, na APPC não ia só o Zé à terapia, como nós também íamos. Foi uma ajuda muito boa, e essa psicóloga disse-nos que tínhamos de ver a vida de outra maneira e que existe pessoas em situações piores.E eu não conseguia pensar nisso. Quando era nova e passava por alguém de cadeira de rodas ficava: “ai meu deus, eu não aguentava!” Mas aguentamos.
A psicóloga disse-nos para mostrar o nosso filho, dizermos o que ele tinha, mostrar que ele também precisava de amigos e que todos somos iguais. E graças a Deus, eu e o meu marido conseguimos fazer isso e dar a volta. Não é gabar-me, mas nasceu em nós uma força tão grande, de o mostrar a toda a gente.
Tivemos muitas dificuldades de integração na escola, quando foi para ele entrar para o 1ºano, porque há 25 anos as coisas eram diferentes, não se falava tanto em acessibilidade, mas ele teve sempre uma escolaridade espetacular. Nunca teve problemas, nunca foi mal tratado. Houve um trabalho bem feito por parte das professoras, da APPC e de tudo.
Vocês enquanto casal, uniu-vos ainda mais?
Eduarda: Sim, sem dúvida! Soubemos de experiências de casais que conhecemos na APPC em que as coisas descambaram, mas para nós, que já éramos um casal unido, este problema ainda nos uniu mais. Trabalhamos os dois para a mesma coisa. É a nossa missão!
É uma missão muito especial! Em termos de fé, quando estas coisas acontecem… duvidamos ou dá-nos mais força?
Eduarda: No princípio sentimos uma revolta, e perguntamos porque é que Deus não nos protegeu naquele momento. Mas nunca, nunca abandonei a minha fé. Mas tive estes momentos. É normal sentirmos isso. Nunca deixei de pedir a Deus que, já que aconteceu, ao menos que nos ajude a melhorar e não o contrário.
Preocupa-vos saber que um dia ele não vos vai ter no dia-a-dia?
Eduarda: Começou a preocupar-me há uns tempos. Não é bem preocupar. Eu tenho um feitio muito bom de aceitação e de desvalorizar as coisas menos boas e valorizar as boas. E penso que é a lei da vida e por isso, não tenho de estar preocupada, e pensar que tudo se resolve.
Eu sei que ele não vai ficar sozinho, mas pronto, não me vai ter a mim!
Há bocado referiu algo importante. Vocês tiveram muita sorte em ter o Zé Eduardo, mas ele também teve muita sorte em ter nascido numa família como a vossa. Talvez, nada aconteça por acaso, sente isso?
Eduarda: Sim, eu depois para me consolar, dizia que Deus sabe que somos a família ideal para ter um menino assim e para o ajudar. E pronto, cá estamos!
Realmente, eu acho que foi a melhor postura que nós adotamos foi aceitar, e todas as famílias deviam-no fazer. Não é fácil, há dias menos bons como toda a gente, mas temos de ter força e andar para a frente.