Maria Manuela Sousa Fernandes

Este encontro conta com a participação especial de Maria Manuela Sousa Fernandes, filha do saudoso médico Alberto de Sousa, primeiro diretor do Sanatório Vasconcelos Porto, um dos fundadores do Corpo de Bombeiros Voluntários de São Brás de Alportel, o bondoso benemérito que abria as portas da sua casa para acolher pobres e mendigos e que criou a 1.ª Cantina Escolar e do seu pai herdou o espírito solidário e livre.

Na sua vida, atravessou períodos difíceis, mas sempre revelou uma elevada nobreza de carater, coragem e altruísmo.  Hoje, nas suas bonitas oitenta primaveras, conserva a doçura no olhar, a juventude no sorriso e é um extraordinário exemplo, uma das Mulheres mais admiráveis do Centenário do Município, razão pela qual a comissão do centenário a desafia a uma conversa com passado e com futuro.

ENTREVISTA

Nasceu em 1926.

Como foi a sua juventude em São Brás?

Completamente em São Brás, nasci naquela casa amarela em frente ao Museu. E ali brinquei, cresci, na escola pública. De maneira que, a minha infância foi toda em São Brás. A minha casa era uma espécie de jardim zoológico, tinha muitos animais! Galos, galinhas, periquitos, um papagaio… tínhamos um macaco, que fazia muitas asneiras mas gostávamos muito dele, durou mais de 20 anos! Tínhamos muito espaço para brincar, e tínhamos a liberdade que as crianças hoje não têm. Brincávamos muito mais do que os miúdos de hoje em dia. Os rapazes e raparigas jogavam todos juntos ao anel, às escondidas, à apanhada… Não faltava nada! A minha casa era uma casa muito cheia!

Depois houve uma altura em que viemos para Lisboa para estudar, e os nossos pais foram connosco. Vivemos em Lisboa alguns anos, depois o meu irmão mais velho estava a estudar medicina, fez uma maluquice! Em vez de estudar, andava a brincar…e dizia que passava os anos, mas não passava do 1ºano! O meu pai não achou graça também a outras coisas que aconteceram e voltamos todos para São Brás outra vez.

Eu adoro São Brás… já tenho 95 anos, mas até aos 93 anos ia quase todas as semanas a São Brás a conduzir acompanhada com o meu cãozinho, fazíamos uma paragem e seguíamos viagem! Ainda hoje, todos os bocadinhos que tenho, aproveito e vou a São Brás. Casei em São Brás também!

Nunca fui de grandes pompas… a minha preocupação para o casamento era levar os meus amigos e a minha família, mas foi uma surpresa! Eu era e sou madrinha da Cantina, e as meninas da cantina, naquela altura, com 12/13 anos, fizeram uma surpresa. Depois foram também os bombeiros, a guarda republicana também foi representar… as meninas que andavam no Liceu. Eu tive surpresas sobre surpresas. A igreja estava linda e foi uma cerimônia muito bonita. Foram cerca de 300 pessoas ao meu casamento. Tinha 29 anos quando casei e nunca tinha namorado! Foi o homem da minha vida. Tive 18 anos casada e infelizmente fiquei viúva aos 47 anos. Eu sempre disse que só namorava quando gostasse mesmo, porque aqueles namoros de verão e curtos nunca me interessaram.

Sempre tive muitos amigos rapazes, talvez devido ao facto de ter 2 irmãos mais velhos.

Conheci o meu marido em Monchique, onde só começamos a namorar ao fim de 3 anos! No início sempre pensei que ele queria ter algo curto e não sério, então nunca quis dar esperanças… mas deu-me uma pancada muito grande pelo meu marido e até hoje! É o amor da minha vida.

Foi professora de Educação Musical durante mais de 20 anos. Como surgiu esta profissão na sua vida?

Foi devido ao 25 de Abril. o 25 de abril fiquei com tudo ocupado e o meu marido tinha morrido um ano antes. De repente, fiquei sem rendimentos, a cortiça era para os comunistas… passei um mau bocado. O meu marido era juiz e era muito mal pago naquela altura.  Tinha 2 filhos pequenos, a minha filha com 12 anos e o meu filho com 15, bons estudantes e não queria que eles parassem. Tive de me reinventar e como tinha um curso superior, decidi aproveitar e fui professora durante 20 anos, e gostei imenso. Comecei a concorrer ao ensino… na altura era um bocado aborrecido porque havia mini concursos, em que fazíamos um exame e se ficássemos, tínhamos colocação em Outubro. Mas no ano letivo seguinte, tínhamos de concorrer novamente! Apesar das dificuldades, fiz-me servir dos meios que existiam. Fui fazer estágio, aquilo que as pessoas fazem entre os 20/30 anos, eu fiz com 50 anos! Fiquei bem classificada e fiquei logo professora interna e aí começou a minha vida no ensino. Não esperava ter sido recebida tão bem. Normalmente os alunos gostam dos professores mais jovens, mas comigo foi o contrário. Dei aulas na Escola EB 2,3 Manuel da Maia e a última que estive foi em Sacavém. Fui muito feliz com os meus alunos, nunca me deram problemas.

Fui muito bem recebida e muito bem despedida! Recebi muitas manifestações de amizade e simpatia de todo o pessoal. Entretanto, fiz 70 anos e tive de me reformar, mas fi-lo com uma pena! Mas as minhas colegas de 30, 40 anos admiram-se por estar com pena por sair do ensino, mas eu tive imenso gosto por ser professora.

Foi sempre uma mulher moderna para a altura. Tendo sido a primeira mulher a tirar a carta. Como caracteriza esta resiliência que sempre teve?

Essa vivência veio desde muito cedo! Era uma pessoa muito alegre e bem disposta, e como tive 2 irmãos mais velhos, penso que isso teve muita influência, porque tudo o que eles faziam, eu fazia também! Depois comecei a caçar com o meu pai e os meus irmãos. Também comecei a nadar desde muito cedo porque o meu irmão fazia parte de uma equipa de natação, então ensinou-me. Gosto muito de nadar!

Em São Brás nenhuma mulher tinha carta, mas eu queria ser mais independente. Então aos 22 anos tirei a carta.

E em 1955 fiquei em primeiro lugar numa corrida de Rallys! O meu irmão desafiou-me, mas eu nunca tinha feito nada parecido, mas lá fui e safei-me!

Conduzi até aos 93 anos, tinha muito prazer em guiar.

A sua família é conhecida por abrir as portas aos mais necessitados.

Como eram esses momentos?

Toda a vida fui criada nesse ambiente. Lembro-me de muito pequena, antes de andar na escola, o meu pai me dizia: “Escolhes os teus amigos pelo aquilo que fazem e pelo que são, não por o têm”. Esta foi a norma do início da minha vida. Realmente, nunca tive razões para sentir que era mais que os outros.

Saía da escola com as minhas amigas e íamos todas para a minha casa para brincarmos e a minha mãe fazia-nos o lanche! Brincámos tanto, a tanta coisa, ao ar livre!

Participava nas Janeiras… Cantava nas Janeiras, com o grupo de São Brás e a Dona Maria do Carmo, que morava na Estrada de Faro. Então íamos cantar de porta em porta, e depois com o dinheiro que recebia comprávamos manta e distribuímos pelos necessitados. Era muito agradável. Depois surgiu a Cantina, que me convidaram para ser madrinha da Cantina. Naquela altura, havia muito mais fome. Atualmente, refilam muito que as reformas são pequenas e realmente são… mas naquela altura, não havia nada! A Cantina criou-se para ajudar as pessoas, pelo menos, a ter uma boa refeição por dia!

O seu pai foi o 1º diretor do Sanatório e Fundador do Corpo de Bombeiros. Foi dele que herdou o espírito solidário e altruísta?

O meu pai sempre me transmitiu grandes valores, e ainda hoje tenho uma grande ternura e admiração especial pelos Bombeiros. De maneira que, sempre fiquei muito ligada aos Bombeiros. Mais tarde, quando tinha 15/16 anos, organizava espetáculos de piano, de teatro/revista no cinema para arranjar dinheiro para a Cantina e para os Bombeiros.

Ainda hoje sou sócia dos Bombeiros, e sempre que posso e consigo, estou presente. Realmente, são pessoas que dão muito e recebem pouco.

O meu pai era médico e diretor do Sanatório, e tenho filhos e netos médicos. Nunca impusemos que eles tinham de seguir a área, eles escolheram uma profissão que gostam. Não há nada pior que fazer uma vida inteira algo que não se gosta.

Foi distinguida em 2014 com a Insígnia Municipal de Valor e Altruísmo. Qual é a sensação de ser reconhecida na sua terra?

Surpresa! Não esperava nada, nem achava que houvesse razão para isso! Foi uma surpresa muito agradável, tocou-me muito! Sinto-me muito acarinhada por São Brás! Sempre senti um bem-estar na vida, nunca me faltou nada mas quando passei por uma fase mais complicada, foi um choque ver de forma carinhosa o facto de me tratarem da mesma maneira. Lembro-me de ir ao café e de me pagarem o café, pequenas coisas que não esqueço e que me marcaram!

As pessoas têm que ter o valor que têm por si próprias e sempre me senti dessa maneira. Gosto muito de São Brás e das pessoas que lá estão!

ESPAÇO DE MEMÓRIA: crónica de um casamento

Na paroquial Igreja de S. Brás de Alportel realizou-se no passado dia 2, a cerimónia do casamento da Sra. D. Maria Manuela Andrade e Sousa muito gentil e prendada filha da Sra. D. Joaquina Francisca Dias de Andrade e Sousa e do prezado amigo Sr. Dr. Alberto Júlio Loureiro de Sousa com o Sr. Dr. Matias Colaço Fernandes, Juiz de Direito da Comarca de Odemira.  

A noiva vestia um riquíssimo e elegante vestido de veludo cristal, com cauda enfeitado de finíssimas rendas de Bruxelas.

Serviram de padrinhos por parte da noiva, seus pais e, por parte do noivo, a sua mãe Sra. D. Maria Colaço Fernandes e seu cunhado, Sr. José Vaz dos Reis.

A cerimónia religiosa, que revestiu de grande brilhantismo e que reuniu mais de 300 convidados foi celebrada pelo Reverendo Prior Sena Neto, que rezou missa acolitado pelos Reverendos Padres Inácio e Manuel Bárbara.

No coro, a distinta pianista D. Maria Carlota Gago Pires, tocou a marcha nupcial de “Mendelson” e vários trechos religiosos e um grupo de senhoras de São Brás, antigas companheiras de escola da noiva, entoaram durante a missa uma lindíssima Avé Maria.

Na Capela Mór, por detrás dos noivos, um friso de sete lindas crianças da Cantina Escolar (de que a noiva é fundadora e madrinha) todas vestidas de anjos, trazendo cada uma ao peito as letras que formavam a palavra “Cantina” ofereceram à noiva, emoldurado num quadro, um lindo soneto que exprimia o sentir de todas as crianças da escola pela sua madrinha.

Tanto a Igreja como o Largo adjacente estavam literalmente cheios de pessoas, que quando os noivos apareceram à porta da Igreja e passaram sobre o tapete de capas que as estudantes do Liceu de Faro lhes estenderam.

Seguiu-se nas salas de residência dos pais da noiva um abundante e finíssimo “copo de água” servido pela Pastelaria Abidis de Santarém.

A corbeille dos noivos, enorme, riquíssima, com centenas de prendas do mais fino gosto, onde sobressaíam jóias de alto valor, obras de arte, antiguidades raras, ao lado das mais modestas lembranças da boa gente do povo, que também quis testemunhar o seu apreço e simpatia pela noiva. Felicitando os noivos, foram recebidas muitas dezenas de telegramas.  

Recorte de jornal Ecos do Sul

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